A proposta do estudo de literatura já está mais do que reafirmado que se refere aos estilos de época, seus princi-pais autores e obras, sempre com a preo-cupação de situá-los no contexto em que surgiram. É evidente a estratégia coerente de colocar o texto como elemento irradiador de abordagens e reflexões. A literatura, tem sido concebida essencialmente como texto.Uma enor-me coleção de textos, uma monumental biblioteca universal.E, aparentemente, não há nisso equívoco.
O texto, antes de mais nada, é um produto. Nasce do trabalho humano, é resultado do esforço e criação individual , dos condicionamentos sociais, das dimensões culturais, das condições econômicas, dos conflitos éticos e das contradições políticas, que configuram o espaço em que foi gerado e publicado.
O estudo da literatura, enquanto instituição social viva, tem que ser entendida como um processo. Processo histórico, político, filosófico, lingüís-tico; individual e social, a um só tempo. A literatura constitui-se numa dinâmica que a todos envolve e compromete, numa unidade de movimento inten-samente dialética. O real da literatura é, então, um processo que envolve atores historicamente situados em contextos sociais claramente definidos. A cada leitura, na tramada dialética que se estabelece entre leitor/texto/ autor, constitui-se uma realidade histórica e social inédita.
O leitor, constitui-se, a cada leitura, numa realidade histórica distinta, sofrendo condicionamentos variados, originários de sua inversão social e cultural. Uma mesma pessoa, ao reler um livro, ainda que imediatamente à primeira leitura, já não é o mesmo leitor. É um novo leitor. Cujo cabedal de leituras inclui essa primeira, que se transformara em elemento de produção de sentido da releitura iniciada. Cada um lê com os instrumentos de sua época e de sua cultura. O leitor, sem deixar de ser pessoa individual, é necessariamente uma realidade social e histórica. Na sua leitura inscrevem-se as marcas de seu tempo, de sua cultura , de suas preferências, de seu desejo e de sua loucura.
Um livro não é um monumento; é uma dinâmica.É o processo de sua circulação que lhe dá existência social. A circulação não só fá-lo existir, como garante sua sobrevivência através dos tempos. O livro do qual não se fala, que não se lê, não existe enquanto literatura. Ninguém lhe há de negar existência enquanto objeto material palpável, mas será inevitável negar-lhe, no contexto contemporâneo, existência histórica e social.Uma literatura não é uma biblioteca, é um processo vivo de produção, circulação e consumo de discursos.
É pela leitura que podemos romper as grades de nosso tempo histórico e dialogarmos com homens de séculos distantes.Reside aí uma das maiores fontes de liberdade do ser humano: a possibilidade de viajar no tempo e no espaço, na cultura e na ciência, nas fantasias e nos medos de homens e mulheres que precederam nos discursos que constitui a cultura histórica. E é isto que possibilita o alistamento do cidadão da história, homem de todos os tempos e de todas as culturas.
Quando defendemos a importância do estudo da literatura – se é que isto é possível – significa mergulhar decidida-mente na nossa história, sociedade, cultura, identidade, como pessoa e como cidadão. É uma busca alucinada do sentido da vida e da sociedade, num diálogo apaixonado com os que ousaram, a difícil travessia. É a irreverência de desfazer as trilhas já trilhadas, de duvidar do induvidável, de teimar no impossível, de buscar o sonho inalienável da liberdade.
Fonte: Rosimeri da Silva Kutzner - Professora